A Violência Simbólica da Linguagem Cotidiana
- thirodriguespsi88
- 30 de mai.
- 2 min de leitura
A linguagem não apenas descreve a realidade - ela a constrói. No cotidiano, certas expressões que consideramos "normais" carregam uma violência sutil que opera no nível simbólico, moldando nossa percepção sobre nós mesmos e sobre os outros. Essa violência é especialmente eficaz porque se disfarça de naturalidade, passando despercebida enquanto estrutura formas específicas de subjetividade. Frases como "você é muito dramático", "homem não chora" ou "isso é coisa de viado" não são apenas palavras - são dispositivos de controle social que limitam nossa capacidade de existir plenamente.
Quando alguém diz "você é muito dramático", opera-se um mecanismo de invalidação que vai muito além da simples minimização da dor. Essa frase instala uma dúvida sistemática sobre a legitimidade da própria experiência emocional, fazendo com que o sujeito passe a questionar não apenas suas reações, mas sua capacidade de perceber e interpretar a realidade de forma confiável. O mesmo acontece com o imperativo "homem não chora", que estrutura uma forma específica de masculinidade baseada na negação e no recalque. Mais que uma regra comportamental, essa afirmação fragmenta a experiência psíquica masculina, criando cisões dolorosas entre sentir e expressar, entre vulnerabilidade e força.
A expressão "isso é coisa de viado" revela como a linguagem opera a normalização através da exclusão. Ela não apenas insulta - estabelece fronteiras rígidas sobre o que é considerado "normal" ou "aceitável", transformando a sexualidade em um marcador de valor moral. Assim, cria-se uma hierarquia simbólica que estrutura relações de poder e perpetua a marginalização de tudo aquilo que escapa aos padrões heteronormativos. Essas frases funcionam como verdadeiros mecanismos de disciplinamento social, definindo não apenas o que podemos ser, mas como devemos nos relacionar com nossa própria identidade.
O que torna essa violência particularmente insidiosa é sua capacidade de internalização. Essas frases são reproduzidas porque foram incorporadas como "verdades" inquestionáveis, operando no registro do supereu e criando instâncias de autovigilância e autopunição. O sujeito passa a ser seu próprio algoz, repetindo internamente os mesmos discursos violentos que um dia ouviu. Esse processo de introjeção faz com que a violência externa se torne violência interna, perpetuando ciclos de sofrimento que muitas vezes nem conseguimos identificar claramente.
Reconhecer esses padrões de linguagem é o primeiro movimento em direção à sua desarticulação. A psicanálise nos ensina que o sintoma fala - e a linguagem violenta é sintoma de uma sociedade que ainda não conseguiu elaborar suas próprias contradições e preconceitos. Quando nomeamos a violência simbólica, criamos a possibilidade de escolher outras formas de nos relacionarmos conosco e com os outros. Transformar nossa linguagem cotidiana de instrumento de violência em ferramenta de cuidado é um trabalho que exige consciência, mas que pode abrir caminhos para existências mais livres e autênticas. Cada palavra que escolhemos tem o poder de construir pontes ou erguer muros - e essa escolha, mesmo quando inconsciente, define o tipo de mundo que ajudamos a criar.
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